Biopolítica, cinema e a construção do devir-afro-pindorâmico
cinema negro; biopolítica; devir-negro; branquitude; quilombo;
ocupação urbana.
A presente tese analisa a importância da imagem do sujeito negro no Brasil, produzida por
autores brancos ao longo dos séculos de escravidão e após a abolição, para a criação e
manutenção do ideário colonial e a normatização da opressão pelo racismo. Parte-se da
análise da representação pictórica e fotográfica da população brasileira durante o período
escravocrata, quando é possível detectar a importância das imagens para a construção
de um conceito de raça sem fundamentação biológica, com objetivo de estabelecer e
perpetuar a superioridade branca. Sendo a escravidão uma das primeiras manifestações
da biopolítica no mundo (MBEMBE), a extensão do poder senhorial sobre o corpo do
escravizado à sua imagem é uma das provas dessa hipótese mbembiana. Essas imagens
coloniais demandam ainda hoje a restituição de um nome (BENJAMIN) aos sujeitos
negros retratados, a partir de uma exigência de redenção (AGAMBEN) – algo que o
cinema é capaz, e como veremos, tem se ocupado em fazer. A impossibilidade de
autorrepresentação da população negra nas imagens estáticas persiste nas imagens em
movimento após a invenção do cinema, a pesquisa remonta o histórico da interdição do
sujeito negro e a construção na primeira metade do século XX de um cinema nacional
instrumentalizado pelas teorias racistas do branqueamento populacional e da democracia
racial. Será analisada a repetição de problemas da representação negra feita por diretores
brancos, do passado e do presente, à luz da nova produção teórica dos intelectuais
negros e dos brancos anti-racistas – que incluem conceitos como branquitude, espectador
resistente, fragilidade branca, interseccionalidade, dentre outros. A partir de uma
perspectiva de biopolítica afirmativa, a pesquisa se concentra na tomada de controle da
população negra sobre sua representação imagética, cujo marco é a obra “Alma no olho”
(Zózimo Bulbul, 1973). Uma das hipóteses da pesquisa é que o cinema negro propiciou
abertura para o surgimento de um cinema ligado ao território que responde às
desterritorializações causadas pelo capital. Assim analisa-se o cinema dos quilombos e o
cinema das ocupações urbanas em suas bases ligadas a um direito nativo antropofágico
que destaca a posse ante a propriedade, o valor de uso em detrimento do valor de troca e
garante a todo ser vivente uma terra. A partir dessa hipótese relaciona-se o cinema negro
e o cinema dos territórios com o devir-negro do mundo (MBEMBE) e sua capacidade
libertária, ancorada nas tradições insurgentes de resistência dos povos escravizados à
opressão. Onde a tese conclui que estes cinemas são vetores de liberdade e atuam na
desconstrução do racismo, cuja eliminação é condição para a reinvenção da comunidade,
que por sua vez não se separa da produção do comum.